segunda-feira, 6 de julho de 2015

Adenor, o peixe campeão do mundo


Mudança de cidade, de estado, de ambiente de trabalho. Distância, muita distância da família e dos amigos. Era inevitável: o ritmo frio da metrópole (embora ela mesmo seja bastante quente) conseguiu me jogar pra baixo e eu me vi sozinho outra vez na vida, longe de tudo que eu gosto. Sozinho ao lado de milhões de pessoas.

Se eu vim foi porque quis, a falta do “lá” faz parte do processo. E para tudo dá-se um jeito, sempre foi assim. Depois de um tempinho, resolvi acabar de vez com o problema da ausência de companhia. Pode até não ter sido a decisão mais esperada para um cara da minha idade. Mas foi consciente. Comprei um beta.

O peixinho era bacana, engraçadinho, azul. Era legal ficar observando o movimento das barbatanas vermelhinhas dele. Chamei-o de Adenor, acho que combinou. Não quis espalhar, mas é uma homenagem ao último brasileiro campeão do mundo como treinador de futebol. Pelo meu time, aliás. Quem sabe, o peixe seria um estágio para a compra do cachorro.

Eu conversava com o Adenorzinho, o alimentava com umas bolinhas de ração. Viajava em ver o bicho mergulhar e subir de novo pra tomar um ar. Durante dias, fortalecemos nossa amizade, aos poucos.

Até que, numa horas dessas, reparei que um olho dele estava diferente. Na verdade, estava feio, esbugalhado, pra fora. De cortar o coração. Fiquei em choque. Pesquisei na internet: uma doença causada por bactéria. Começava de um lado, atacava o outro, o peixe deixava de comer, poderia inchar outras partes do corpo. Geralmente era fatal.

Mas havia uma chance.

Existia um tratamento, o Google me contou. Um remédio, dissolvido na água, trocada por alguns dias, que, se usado no começo da enfermidade, poderia dar certo, embora as possibilidades de cura não fossem nada animadoras. Liguei para o pet shop onde eu o comprei, eles tinham o produto.

No outro dia, eu estava lá. Fiz um kit: um remédio que enfrentava bactéria e outro para fungo. Perguntei ao dono da loja se me daria um desconto, eu tinha comprado o bicho há poucos dias. Ele me fez uma contraproposta: eu levava o Adenor de volta e ele me dava outro peixe. Falou que se responsabilizaria pelo tratamento. Só que os remédios que eu estava levando eram mais caros do que o peixe tinha custado. Eu sabia bem qual seria o destino dele lá.

E agora? Eu entregaria meu amigo à própria sorte em troca de outro animal até então desconhecido pra mim? Eu havia procurado o Adenor justamente para sermos companhia um do outro. E é assim que as amizades são conduzidas? Se fosse uma pessoa, doente, eu a abandonaria, mesmo sabendo qual seria o seu fim?

Paguei pelos remédios, decidi tentar salvar o meu peixe. Corri pra casa para começar o tratamento. Enquanto houvesse chance, haveria esperança.

Precisava de um lugar maior para o período de quarentena, era necessário misturar os produtos em muitos litros de água para fazer as soluções que poderiam salvá-lo. Como eu não tinha, o peixe foi morar num cooler que geralmente conserva minhas cervejas geladas fora de casa. Segui as bulas e o Adenor, doente, estava mergulhado em uma estranha solução azul Avatar. Pedi a ele que confiasse em mim, nunca digo isso em vão. Enfrentaríamos essa juntos.

Os dias se passaram, a angústia persistia. Cada instante era importante na luta. Trocava a água diariamente, refazia as soluções. Devagar, o olho infectado ia melhorando. A esperança aumentava. O inchaço ocular do pequeno azulzinho diminuía. Acabava o prazo estipulado na bula. Adenor, o peixe campeão do mundo, estava, enfim, curado.

Adenorzinho deixou o cooler, voltou ao seu aquário e está lá feliz, com os olhos e a vida nos seus devidos lugares. Nadando, todo serelepe, pra baixo e pra cima, ostentando a bela cauda avermelhada. Tem hora que parece dar cambalhotas. Valeu não termos desistido um do outro.

Você venceu, amiguinho. Nós vencemos.