domingo, 12 de dezembro de 2010

Respostofobia


Rubens era um sujeito do bem. Alto, moreno, cabelo curto, óculos de grau e roupas sociais. Trabalhador, organizado, disciplinado, se dava bem com todos na repartição. Era reservado, caseiro, não era muito de sair. Nunca ninguém o vira nervoso ou falando alto. No trabalho, estava sempre disposto a ajudar quem precisasse, sem esperar nada em troca. Mas padecia de um estranho e raro mal: era averso a respostas. Não se sabia ao certo por que, se por indecisão, vergonha ou desinteresse, o fato é que arrancar qualquer resposta que envolvesse sua vida pessoal era bem difícil, para não dizer impossível.

Vira e mexe, o assunto era o Rubens. O pessoal da repartição especulava quando teria começado essa esquisitice. O Silveira apostava ter sido na pré-escola, quando a mãe do então pequeno Rubinho o questionara se ele preferiria uma lancheira do Hulk ou do Homem-Aranha. Ele, sem ter certeza se queria ser forte ou ágil, não respondeu e surtou. O Otávio acreditava que foi por volta dos dez anos, quando teria sido convidado por duas amigas para dançar quadrilha na festa junina do colégio. Indeciso entre a loira e morena, calou-se e nem dançou. A Maria Antônia botava as fichas na hipótese de que Rubens fora normal até o fim da adolescência, mas entre optar pelo vestibular de Direito ou Medicina, parou no ensino médio.

O que todos sabiam é que o colega tivera três merecidas oportunidades de promoção. E sequer respondeu a qualquer uma delas. Na primeira, o diretor regional ficou magoado com o que considerou um pouco caso de um funcionário tão estimável, mas foi alertado pela secretária de que o Rubens era assim mesmo. Não respondia se iria à festa de fim de ano, não colocava o nome da lista do amigo oculto nem da vaquinha para o presente de casamento dos colegas. Mas sempre ia ao restaurante marcado para a confraternização da repartição e geralmente comprava ele próprio um presente para o casal de noivos. Da segunda oportunidade de ascensão profissional para o Rubens, o diretor entendeu o que estava acontecendo. E da terceira e última, teve certeza de que o caso dele era mesmo grave e decidiu parar de tentar mudar o rapaz.

O office-boy Juninho um dia voltou do banco com uma história de que o Rubens, antes de trabalhar com eles, fora noivo. Ficou sabendo que a moça, depois de anos de espera para o casório, decidiu adiantar as coisas. Marcou um jantar num restaurante chique, comprou as alianças e o pediu em casamento. Ele suou frio, postergou a resposta e nunca mais a procurou. Nem atendeu ao telefone, não respondeu as mensagens de celular. Nem aos e-mails. Nem namorou de novo.

De vez em quando alguém ligava para a repartição para saber se ele estava bem. No meio do ano, Rubens fez um curso de reciclagem com funcionários de toda a regional. O pessoal se amarrou no jeitão dele e tentou manter contato. Ele, claro, não respondeu nenhum e-mail. E lá ia outra vez a telefonista explicar que estava tudo certo sim, ele provavelmente lera os e-mails, mas não ia mesmo se manifestar. Não, ele não ficou chateado com nada que ninguém falou, é o jeito dele. Outra ligação, de um antigo colega de escola. Sim, o Rubens ainda trabalha aqui e pode confirmar o nome dele pro reencontro do fim de semana que ele vai sim.

Depois de anos de convivência, ainda era um tabu para qualquer colega tocar no assunto com ele. Rubens desconversava, inventava um compromisso e saía pela tangente. Sugeriram que ele conversasse com um psicólogo, mas ele não respondeu à proposta. E ficou por isso mesmo. Quando ele se aposentou, todo mundo sentiu falta do altão esquisito que não respondia a ninguém. Com 96 anos, Seu Rubens mora sozinho em um apartamento no Centro. A saúde está frágil, já teve dois derrames e uma parada cardíaca. A Morte já o chamou outras três vezes. Mas ele não responde.