quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Amizade

E já que o assunto do momento é amizade, aqui vai um vídeo relacionado.

Essa é a história do Christian:



Isso que eu falei.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Os melhores caras do mundo

Capítulo 1 A porta


O dia amanheceu esplendoroso. Sol forte, borboletas, passarinhos cantando e brincando, aproveitando a intensidade do verão. Tudo nos conformes, dia cheio de vida. Logo cedo, o pequeno anjinho andava pelos corredores do Casarão, distraído fazendo bolas de chiclete. O piso frio refrescava seus pés descalços. Até que viu a enorme porta da sala do Chefe entreaberta. Decidiu espionar. Ele estava de costas para a entrada, trabalhando concentrado e tinha sobre a grande mesa uma pilha de papéis, alguns já riscados. Parecia mais pensativo que o normal. Pensava em voz alta: “Essas vão. Esse fica. Talvez com esse eu feche um grupo. Esses eu decido depois...” O anjinho permaneceu por alguns minutos atrás da fresta, observando, sem entender muito bem o que se passava.


Mais riscos em papéis, alguns com canetas de cores diferentes. Outros pensamentos em voz alta, uma consulta nos arquivos. O pequeno curioso, do lado de fora, não arredava o pé. Sem olhar para trás ou se mover e sem tirar os óculos dos olhos e os olhos das anotações, o Chefe indagou, para surpresa do anjo:


— Filho, queres me acompanhar por hoje? Acho que vais gostar.


A voz forte e segura retumbava pelo cômodo e parecia ao mesmo tempo suave, agradável e muito segura. O anjinho olhou timidamente para o lado e não notou mais ninguém. Pensou em questionar se era ele o convidado, mas a voz não saiu. De tão trêmula, falhou. Abriu a porta devagarzinho e foi entrando, pé ante pé. Nunca pensara que conheceria os aposentos oficiais do Todo-Poderoso. Eram maiores do que ele pensava.


“De certo estás curioso com o que faço, não?!”, perguntou, como se não soubesse a resposta. “Pois bem, estou montando uma turma. E isso dá trabalho, meu pequeno”, prosseguiu, não sem antes afagá-lo com um cafuné, tentando dar sumiço à timidez. “Algumas mais, outras menos. Mas essa será especial. Tudo tem que ser muito bem pensado”. Os olhinhos do anjo se arregalaram e uma sobrancelha se levantou; estava espantado com a quantidade de papéis sobre a imensa mesa de vidro transparente.


“É uma classe. Só posso escolher 40. Preciso cuidar para que seja contemplada com todos os dons do Bem”, disse o Comandante, tentando ser didático. A equação deveria ser perfeita, não faltar nem sobrar virtude alguma. Deveriam se completar. Não importa de quão longe viessem, o que já tivessem passado na vida, o que pretendiam ou quanto tempo permaneceriam na Terra Escolhida. O equilíbrio tinha que ser perfeito.



Capítulo 2 O forno


“Trarei gente de onde for necessário. Até de Terra Roxa”, começou a detalhar. “Serão jornalistas. E uma turma dessa precisa de uma poeta-escritora. Já reservei a Priscilla”. Carecia também de bom som — música para embalar a fantástica equipe que lentamente se formava. Reuniria no mesmo universo o flautista Ferro, o multiinstumentista Maicou e a cantora Sandy. Aproveitando a olhada por terras fluminenses, o Todo-Poderoso traria, mesmo que por pouco tempo, a Gilka para o time. Complementando as harmônicas melodias, Aline transferiria sua faculdade e seu suingue para perto do grupo. Camila Morgado seria a personificação da animação.


A sintonia começava a se aperfeiçoar. Simetria celestial. O anjinho entendera o espírito da coisa. Fernandôncio passaria uma temporada entre eles e, para que a média de altura não ficasse muito irreal, Janaína também. O cérebro da turma estaria na cabeça do Sininho. Haveria um dentre eles que marcaria sua passagem sem dizer ao menos uma única palavra. Essa missão coube ao Erick. O dom da responsabilidade seria confiado à Viviane. Ao Randy, caberia a elegância.


Mas tudo parecia muito normal. Foi aí que o Blau-Blau entrou na história. Ao ouvir essa explicação, o pequeno ser celestial não se conteve e soltou uma gostosa risadinha de canto de boca. O Silvião seria a formalidade em pessoa e o Lilli, o bom moço, cuidaria para que o ritmo não se acelerasse demais. Fofo! Todo bom grupo precisa de alguém para defendê-lo: Tatá. A Vivian seria a responsável por não deixar que a chama da revolução pelas causas sociais se apagasse. Jael, a alma franca.


A graciosidade seria confiada aos pés bailarinos e gestos suaves da Bia. À Luiza, o charme da pronúncia feminina perfeita dos palavrões. Com o coração puro do Douglão era certeza que ele nunca seria esquecido, mesmo depois de seguir por outros rumos. Dayana seria a recatada. Já a Biba, um tanto desajuizada. A missão da Aninha seria explanar aos quatro cantos do mundo como o amor é um dom especial.


— Desculpa, mas... Não falta mais alegria, meu Pai? — questionou o menino dos cabelos cacheados.


O Senhor de longas barbas e túnicas brancas fitou o pequenino nos exíguos olhos negros e pensou um pouco. “Já sei!”, exclamou, assustando o anjinho, que acabou engolindo o chiclete que mascava. “Vitão é o que eu preciso!”. O Mestre ficou orgulhoso por ver que o time que se fechava. No novo embalo, acrescentou à lista dos escolhidos a beleza simples da Bebinha. “Bebinha? Que apelido estranho...”, pensou antes. A pureza da Laane veio em seguida. Kamilão compartilharia seu próprio mundo com os outros felizardos. O Todo-Poderoso parou por um instante. Sentiu um pesar ao anotar os nomes de Natália Carvalho e Felipe Fontes, já pensando na triste despedida. Suspirou e seguiu em frente.


O Cano teria o dom de brincar com as palavras e Muqueca o de pronunciá-las, docemente, nas horas certas. À Hérica, o estilo e o poder de mulher. Com o Fenômeno, a prova de que amizades fenomenais não conheceriam distâncias.


Aquela turma era tão especial que receberia uma bênção rara: assistir de camarote ao nascimento de uma nova vida. Ponto pra Camila Pena e pro Rodrigo. A Monique seria o abraço certo de todas as horas. A Priscilinha, a prova de que diversão e sensatez podem caminhar de mãos dadas.


— E aquela loirinha? — quis saber o mini-intrometido, apontado para a Kelly.


“A Kelly?!”, questionou o Todo-Poderoso, ainda decidindo se zombava ou não do interesse do pupilo. Resolveu deixar passar. “Bom... A Kelly será a guia e motorista dessa tropa toda”, respondeu, rindo. E sem causar muito estardalhaço, Cléverson seria o grande líder do grupo. Quase prefeito. Por fim, o Ulisses seria o cara escolhido para, alguns anos depois, descrever toda essa cena. Assim a primeira geração saía do forno, pronta para se conhecer, se amar e desvendar os mistérios de um mundo novo chamado Universidade Federal de Viçosa.



Capítulo 3 A perfeição


O anjinho ficara maravilhado com tanta atenção, tanto cuidado. Constatou que não tinha mesmo como dar errado. Foi aí que, mais uma vez, foi surpreendido. Com uma doce malícia no tom de voz, o Mestre profetizou: “Essa é primeira versão. O melhor de tudo eu guardei para depois que se conhecerem. Quando acharem que são um grupo completo, encontrarão a pureza do Jeremias”. E não parava por aí. Rafael traria o dom do empreendedorismo. Táubata, a risada mais fantástica da Terra. A turma se depararia com um jovem que teria como função simplesmente ser gente-boa, de graça e com todo mundo. Esse seria o Saulo Rios. Para completar de vez, conheceriam os devaneios do Piscina, o carinho da Pedritta e o intelecto do Locutor. Enfim, fechamento com chaves de ouro.


O Mestre riscou o último papel, carimbou-o e pôs na pasta dos trabalhos concluídos. Afagou mais uma vez os cachinhos da criança e saiu da sala, assobiando uma música alegre. O anjinho permaneceu. Sentou no chão e ficou olhando para os papéis. Naquela manhã ele entendeu que fazer um curso superior, ser jornalista ou estudar na UFV são escolhas. Depende de estudo, talvez sorte. Mas para ser de COM 2004 era preciso um pouco mais. Era preciso ser eleito por Deus. Levantou e saiu correndo atrás do Pai. Viu-o já saindo do Casarão, no fim do extenso corredor e, de longe, gritou:


— Não é muito trabalho para reunir pessoas só por quatro anos?


O Senhor parou; lentamente olhou para trás. Sorriu agradavelmente.


— Quatro anos...? Esses eu reúno pro resto da vida.



Isso que eu falei.

domingo, 10 de agosto de 2008

Que Mario?

Nunca escrevi uma crítica de filme. Nem pretendo tão cedo. O que se segue é uma exteriorização de pensamentos recheada de elogios, sugestões e saudades de tempos bons.

Essa semana me propus a uma inusitada atividade de distração: assistir ao clássico Super Mario Bros – O Filme. Na verdade, até então eu nem sabia que ele existia. Encontrei na internet e resolvi dar uma olhada.

O Mario sempre foi um cara que eu admirei. Até hoje me pego – com relativa freqüência – cantarolando a musiquinha da primeira fase do Super Mario World, o melhor jogo de todos os tempos (tirando os de futebol). Eu sou fã de heróis “normais”. Sempre gostei do Batman porque ele não tem superpoderes, mas o Mario não tem nada mesmo, ele é um encanador! Tá, uma pena aqui, uma flor ali e um cogumelo lá quebram o galho, mas ainda assim é tudo na raça.

Lembro de quando ganhei meu Super Nintendo e, enquanto todo mundo tinha o fantástico Super Mario World, eu tinha um jogo horroroso de futebol, muito do sem graça. Passaram-se meses (talvez anos) até que eu tivesse o meu próprio Super Mario World e pudesse montar no meu próprio Yoshi, matar as minhas próprias tartarugas e salvar minha própria princesa.

Tudo isso veio à tona enquanto eu assistia ao filme. E de tudo que de alguma forma me incomodou, o principal foi ver o Luigi sem bigodes. Luigi sem bigodes é pior que Homem-Aranha sem teia, Batman sem máscara, Superhomem sem cueca vermelha ou Buchecha sem Claudinho. Além de ele ser um molecote, não sabe consertar os vazamentos dos canos e fica chamando o Mario para resolver o problema. Muito inútil.

O Koopa é um ser humano. Eu entendo que àquela época – no longínquo 1993 – não deveria ser tão fácil “filmar” um dinossaurão falando, mas acho que não colou muito. O Yoshi, coitado, é um filhote de tiranossauro Rex, muito feio e nem é verde. O Mario e o Luigi não usam macacões nem boinas e a princesa não tem a beleza e o charme que a do videogame tinha. O Mario é careca! Me lembrou mais o Senhor Wilson, amigo do Denis, o Pimentinha, do que meu herói da infância, símbolo do poderio da Nintendo.

Fiz uma rápida pesquisa na internet e, pelo que eu encontrei, ninguém gostou do filme. Ninguém mesmo. Só críticas, não muito brandas. Mas valeu a idéia. Clássicos são sempre clássicos. Voltei no tempo por alguns instantes.

Sinopse transcrita da caixa do VHS: A descoberta de um universo paralelo vai colocar você dentro de uma incrível aventura! Conheça Mario e Luigi, dois encanadores muito loucos que enfrentam uma corajosa missão, salvar a princesa Daisy em “Dinohatan” – um curioso mundo perdido onde os habitantes descendem de dinossauros. Mas para salvá-la, Mario e Luigi terá que enfrentar o diabólico Koopa, descendente do tiranossauro Rex, que já dominou o planeta de Daisy e tem terríveis planos para conquistar a Terra. Inspirado no superpopular videogame Super Mario Bros., com fantásticos efeitos especiais que agora você vai assistir quantas vezes quiser.

Diálogo do filme:
- “Nome?”
- “Mario.”
- “Sobrenome.”
- “Mario.”
- “E você, como se chama?”
- “Luigi.”
- “Luigi Luigi?”
- “Não. Luigi Mario.”
- “Está bem, está bem. Quantos Marios tem aqui?”
- “Bom, tem três: Mario Mario e Luigi Mario.”

Isso que eu falei.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Por Ulisses Vasconcellos

Recentemente me firmei como repórter policial da Tribuna do Cricaré. Além de acompanhar a série de crimes de todos os tipos – assassinatos, seqüestros, encontro de corpos e prisões –, tenho produzido diversas reportagens sobre a situação da cadeia pública da cidade.


É assombroso. Um amontoado de gente em cubículos imundos. Um preso com hanseníase e outros com tuberculose, todos respirando o mesmo (pouco) ar. “O inferno”, como me disse um dos detentos. E nessa oportunidade eu tive a primeira chance de escrever uma coisa minha mesmo para publicar no jornal. Sem preocupação com lead, sublead, pirâmide invertida... Saiu na TC do último sábado, 2 de agosto.


Cheiro forte, calor e escuridão


O cheiro forte impressiona. Vem do chão, do pátio, do teto, das paredes. Da água que desce nas paredes. O odor é misto de lixo, mofo, restos de comida, pombos e gente aglomerada, quase um sobre o outro. Fora o calor, num lugar em que o ar até entra, mas não sai. Projetado para seis, abriga 20. Essa realidade tão longe das pessoas está no Centro de São Mateus, nas celas da cadeia pública.


Segundo os detentos, o pátio nunca é varrido. A quantidade de lixo comprova. A de ‘um pé’ de sandália também. Os restos de almoço – algumas vezes o prato todo – fazem a alegria dos pombinhos. Os ‘rastros’ deles estão por toda parte. Esses mesmos pombos passeiam pela caixa-d’água. Há histórias de presos que acharam pedaços das aves na água que tomavam banho e outros que teriam usado os bichinhos para matar a fome.


A luz não entra direito. Como o ar não circula, a sensação de abafamento parece constante. E a água acaba com certa freqüência. Depois do banho, vêm as coceiras. O cara do lado tosse o tempo todo.


Tudo tem a mesma cor de nada, de vazio. A água parada no chão do pátio tem cor de suja. Por lá estão os pombinhos, a bebendo inocentemente. Os sacos de lixo empilhados são o restaurante das baratas. Os presos garantem que a comida é tão ruim, que às vezes é humanamente impossível mandar pra dentro. Humanidade não é muito o que se vê por ali...


“A única alegria do preso é a segunda-feira”, revela um deles. O motivo é a visita da mamãe, a mulher, os filhos. Mas, para não fugir à regra, uma hora da visita se passa com o contato via grade. O discurso é o mesmo em todas as celas: “Erramos, vamos cumprir nossa pena. Mas só queríamos ser tratados como seres-humanos. A gente não é bicho”. A sensação que fica na cabeça de quem adentra – para visitar ou conhecer – os domínios do temeroso Cadeião é de que tem alguma coisa errada. Quem comete um crime, tem, necessariamente, que ser vítima de outro?


Isso que eu falei.